Atividades acontecem na Praia do Forte a 80 km de Salvador
Em parceria com o ICMBio, o projeto Tamar contribui para a recuperação de quatro espécies de tartarugas marinhas. Foto: Divulgação/ Projeto Tamar
Apenas uma em cada mil tartarugas marinhas chegam a fase madura, que se inicia por volta dos 30 anos. Por esta razão, a sobrevivência das espécies depende da sua capacidade de conseguir gerar um volume grande de novas vidas a cada ano. Elas contam com um aliado abnegado desde 1980. Anunciando o robusto número de 40 milhões de tartarugas protegidas, o Projeto Tamar deu início neste fim de semana às celebrações de seus 40 anos, que contará com diversos eventos ao longo de 2020.
As atividades acontecem na Praia do Forte, em Mata de São João (BA), a cerca de 80 quilômetros de Salvador. No local, está a principal estrutura do Projeto Tamar no país. Foram soltos nessa sexta-feira (13), as olhos de dezenas de turistas e moradores locais, 101 animais recém-nascidos.
São pequenas tartarugas que haviam nascido pela manhã em algum ponto do litoral nordestino. Por diversos fatores, elas não conseguiram deixar a ninhada rumo ao mar e corriam risco de vida. Após serem coletadas para identificação da espécie, puderam finalmente se encontrar com o oceano. Hoje (14), uma nova soltura está programada para as 17h.
Todo esse trabalho iniciado em 1980 teve origem em expedições realizadas por um grupo de estudantes de oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) em ilhas e arquipélagos como Abrolhos, Fernando de Noronha e Atol das Rocas. Quando presenciaram pescadores abatendo tartarugas, resolveram denunciar a situação para órgãos públicos. Na época, já havia um apelo internacional para que algo fosse feito em defesa desses animais.
“Depois dessas expedições, tomou-se conhecimento de uma maior ocorrência das tartarugas na costa brasileira, porque nem os nossos professores sabiam. Todos os trabalhos acadêmicos naquela ocasião reportavam outros países. E daí foi pedido que o Brasil fizesse alguma coisa. Na Austrália, na Costa Rica, nos Estados Unidos já tinham iniciativas. E os animais são migratórios, vão de um lugar para o outro, o que demanda um trabalho integrado”, diz a oceanógrafa Neca Marcovaldi, coordenadora de pesquisa e conservação do Projeto Tamar e uma das fundadoras da iniciativa.
Veio então o convite para que os estudantes da Furg fizessem um mapeamento das espécies que desovavam no Brasil e apontassem quais os principais problemas. “Durante dois anos fizemos um levantamento nos quase 8 mil quilômetros do litoral brasileiro”, conta Neca.
Apesar de registros isolados de desovas de tartarugas marinhas ao longo da costa brasileira, uma noção mais profundada do fenômeno veio com esse trabalho. Pouco a pouco, o conhecimento foi sendo formado. Cinco das sete espécies utilizam o litoral brasileiro para criarem seus ninhos: tartaruga-cabeçuda, tartaruga-verde, tartaruga-oliva, tartaruga-de-couro e tartaruga-de-pente. Os locais de desova vão do Sul ao Nordeste.
O quadro mapeado, porém, mostrava uma realidade preocupante tendo em vista que o ciclo biológico estava interrompido: as fêmeas que chegavam à praia e seus ovos serviam como fonte de alimento para diversas comunidades litorâneas. As capturas incidentais durante a pesca de outras espécies também levavam a uma redução drástica das populações de tartarugas, o que ainda é uma realidade.
Hoje, porém, avanços já são notáveis. Acumulando prêmios, o Projeto Tamar passou a ser reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas experiências de conservação marinha. “Se antes era necessário transportar ninhadas de tartaruga para dentro das unidades, hoje basta colocar um estaca informativa nos locais de desova que as comunidades estão conscientes da necessidade de preservar as áreas”, diz o biólogo do projeto Claudemar Santos, mais conhecido como Mazinho.
De acordo com o Tamar, as cinco espécies vêm experimentando recuperação de suas populações, embora a tartaruga-de-couro e a tartaruga-pente ainda estejam consideradas em estado crítico, conforme a lista vermelha de espécies ameaçadas elaborada pela União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Entre as outras quatro, algumas são classificadas como em risco de extinção e outras como vulneráveis.
Apoio
O Projeto Tamar começou se estruturando em três localidades. Além da Praia do Forte, os outros dois pontos de partida foram Regência, distrito de Linhares (ES), e Pirambu (SE). Hoje, considerando tanto os locais com estrutura física como os que têm apenas profissionais em atuação, são 25 pontos da costa brasileira são monitorados.
Esse crescimento contou com o apoio da Petrobras, patrocinadora do Projeto Tamar desde 1982. “Depois de um tempo monitorando as praias a pé e a cavalo, conseguimos a doação de um jipe. Mas não tínhamos dinheiro para o combustível. Então a primeira ajuda da Petrobras foi abastecer nossos veículos. Foi uma construção passo a passo”.
O apoio ao Tamar se dá dentro do Programa Petrobras Socioambiental, que inclui também algumas outras dezenas de projetos voltadas, por exemplo, para a preservação das baleias jubarte, dos corais e do peixe mero. Segundo a estatal, no período entre 2014 e 2020, serão investidos mais de R$1 bilhão somando todas as iniciativas. Apesar da importância deste apoio para a consolidação do trabalho do Tamar, hoje o orçamento do projeto conta com aproximadamente 70% de recursos próprios, gerados a partir da bilheteria de seus centros de visitação, da venda de produtos, entre outras fontes de renda.
Estima-se que as unidades abertas ao público recebam juntas, cerca de 1,5 milhão ao ano. O mais estruturado é o Museu do Tamar, na Praia do Forte. Construído em 1982 em um terreno cedido pela Marinha, ele conta com tanques, painéis informativos e estrutura audiovisual, entre outros atrativos. É um dos cinco museus mais visitados do Nordeste brasileiro. Os ingressos custam R$ 28, com a meia-entrada para os casos definidos em lei ao valor de R$14. Também há preços promocionais para grupos familiares.
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“Essa questão da sustentabilidade financeira é super importante porque a primeira geração de tartarugas protegidas demorou 30 anos para se formar. Então temos que ter um compromisso com um futuro que não é tão próximo. Para isso, é importante que se consiga manter as atividades a longo prazo. Sempre valorizando os parceiros, mas também enxergando a necessidade de autonomia e independência”, diz Neca.
Tecnologia
A evolução do trabalho a partir de novas parcerias é uma busca constante. Uma das iniciativas atualmente em curso se dá com pesquisadores de engenharia e de sistemas eletrônicos da Universidade de São Paulo (USP). A proposta é usar a Internet das Coisas, ou simplesmente IoT na sigla em inglês (Internet of Things). Trata-se de novas aplicações que permitem o uso coordenado e inteligente de aparelhos variados para controlar diversas atividades. Em outras palavras, distintos equipamentos são conectados entre si e funcionam em rede.
O projeto da USP, que ainda se encontra em estágio embrionário de desenvolvendo, pretende que coletores e transmissores de dados acoplados a algumas tartarugas se comuniquem entre si. A expectativa é de que o monitoramento ganhe em eficiência, permitindo que os sinais, sendo compartilhados pelos equipamentos carregados pelos animais, percorram longas distâncias e cheguem a uma central com consumo mínimo de energia. Os dados de profundidade, temperatura e localização dos animais também poderiam ser lidos através de celulares por trabalhadores em campo.
“Você pode estar numa área de desova e acompanhar o comportamento dos animais. A mesma coisa em áreas de pesca. Você pode ter mais informações das tartarugas daquela região para fazer um trabalho com os pescadores. Hoje já temos trabalhos com transmissores de satélites, que são caros, mas também tem um alcance mais amplo. E com a genética complementando a informações, além do mapa em terra, temos um mapa bastante robusto das tartarugas onde elas vivem a maior parte do tempo que é o oceano”, avalia Neca. (ABr)