Num artigo publicado na última quinta-feira (9) no Astrophysical Journal, uma equipe de astrônomos da Universidade Paris-Saclay da França revelou, sobre o Polo Sul do nosso planeta, uma das maiores estruturas cósmicas já descobertas: um paredão de centenas de galáxias com diâmetro de 1,4 bilhão de anos-luz.
Chamada de Muralha do Polo Sul, a gigantesca estrutura sempre esteve lá, mas ainda não havia sido detectada porque grande parte dela fica a meio bilhão de anos-luz, “escondida” atrás da Via Láctea, cujo brilho atrapalha a visão daquela região do espaço. Por isso, ela passou a ser conhecida como “zona de obscurecimento galáctico”.
A tela cósmica
Os astrônomos sabem atualmente que as galáxias não estão espalhadas aleatoriamente pelo universo, mas sim agrupadas naquilo que é conhecido como “tela cósmica”. Vistas de longe, essas estruturas se combinam e se conectam em filamentos como se fossem uma gigantesca teia de aranha.
O líder da atual pesquisa, o cosmógrafo da Universidade Paris-Saclay Daniel Pomarede já havia feito uma descoberta marcante em 2014: o supercluster de Lanaikea, um imenso aglomerado de galáxias, da qual a nossa Via Láctea faz parte, com uma largura aproximada de 520 milhões de anos-luz e massa de 100 milhões de bilhões de sóis.
O novo mapa das estrelas
Para no novo mapa, a equipe utilizou pesquisas inéditas do céu para enxergar através do véu da Zona de Obscurecimento Galáctico. Para fazer isso, eles analisaram o movimento das galáxias na região, medindo tanto a velocidade com que se afastam da Terra (devido à expansão do universo) quanto à sua movimentação em relação às demais.
Esse método permitiu detectar porções de matéria escura, o material que não emite luz. O resultado foi um mapa tridimensional do espaço que mostra uma impressionante “bolha” mais ou menos centralizada no lado sul do céu, que contém centenas de milhares de galáxias.
O paredão pode, na verdade, ser ainda maior do que o já visto. A equipe reconhece que ainda não conseguiu mapear a estrutura em toda a sua grandeza. Segundo eles, “não saberemos sua extensão total, nem se é incomum, até que possamos mapear o universo em uma escala significativamente maior”.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a dispersão de matéria no espaço não é resultado de aleatoriedades, e astrônomos perceberam há muito tempo que formações galácticas normalmente se encontram na chamada “teia cósmica”, que nada mais é que uma enorme cadeia de gás hidrogênio na qual as galáxias são amarradas como pérolas em um colar e separadas por espaços gigantes e vazios.
A Muralha do Polo Sul é realmente gigantesca.
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Visando mapear esses “cordões”, existe um campo científico batizado de cosmografia, dedicado à criação da cartografia do Cosmos. Por meio dele, foi possível descobrir a extensão de outros cenários, como o tamanho da Grande Muralha Hércules-Corona Borealis, campeã disparada quando comparada às outras gigantes, com seus “meros” 10 bilhões de anos-luz (mais de um décimo do tamanho do Universo visível).
Em relação à Muralha do Polo Sul, Daniel Pomarède, autor principal do estudo e cosmógrafo do Instituto de Pesquisa das Leis Fundamentais do Universo da Universidade Paris-Saclay, comemora: “Nossa maior surpresa foi que essa estrutura é tão grande quanto a Grande Muralha Sloan e está duas vezes mais próxima de nós. Mesmo assim, permaneceu despercebida e escondida em um setor obscuro do céu do sul”.
Daniel Pomarède, autor principal do estudo.
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Métricas e algoritmos
Esta não foi a primeira descoberta de Pomarède e seu time. Em 2014, eles foram responsáveis pela revelação do superaglomerado Laniakea, do qual a Via Láctea e suas vizinhas fazem parte, tendo 520 milhões de anos-luz de extensão e cerca de 100 mil galáxias. Para o novo mapa, foram utilizadas pesquisas do céu recém-criadas, buscando analisar a chamada Zona de Obscuração Galáctica, encoberta pelo brilho de nosso lar espacial.
Normalmente, cosmógrafos determinam as distâncias dos objetos com o “desvio para o vermelho”, que corresponde a uma alteração na forma como a frequência das ondas de fótons da luz é observada por um espectroscópio em função da velocidade relativa entre a fonte emissora e o receptor observador; quanto mais longe o que se observa estiver da Terra, mas rápido ele parecerá recuar. Entretanto, Pomarède e seus colegas modificaram um pouco o método.
Laniakea, vizinhança da qual fazemos parte com nossa Via Láctea.
Fonte: Reprodução
Observando a velocidade peculiar das galáxias, os cientistas incluíram na medida clássica o movimento delas em volta umas das outras, decorrente das ações gravitacionais. A maior vantagem desse tipo de abordagem é que ela possibilita a detecção mesmo de massa escondida, uma vez que sua influência é percebida. Ao executar os algoritmos adequados, puderam traçar a distribuição tridimensional da matéria dentro e ao redor da região, evidenciando a matéria escura detalhada no The Astrophysical Journal.
Além do que os olhos enxergam
O processo, é claro, deu resultados. O mapa gerado mostra uma bolha impressionante de material, mais ou menos centralizada ao sul do céu, com uma grande asa que se estende ao norte, em direção à constelação Cetus, e outra oposta a ela, rumo à constelação Apus. “A descoberta é uma maravilhosa propaganda do poder das visualizações originadas dessas pesquisas”, declara Brent Tully, astrônomo no Institute for Astronomy.
Obviamente, esse é só o começo. “Não teremos certeza de toda a extensão da Muralha do Polo Sul nem se isso é incomum até mapearmos o Universo em uma escala significativamente maior”, finalizam os pesquisadores.