O Brasil tem um novo meteorito. No dia 18 de setembro de 2020, um fazendeiro de Tiros, em Minas Gerais, encontrou uma pedra bem diferente perto de uma trilha em sua propriedade. Foi o mais novo meteorito descoberto no Brasil, o Meteorito Tiros. E este não é apenas um meteorito qualquer. Tem uma história fantástica desde o momento em que se formou até entrar na atmosfera terrestre.
A história deste meteorito começa há muito tempo, em um dos maiores asteróides do sistema solar: Vesta. Há cerca de 1 bilhão de anos, um impacto gigantesco mudou completamente a superfície desse asteróide, criando uma cratera de 505 km e lançando ao espaço trilhões de toneladas de rochas da superfície, crosta e até do manto de Vesta.
A cratera, chamada Rheasilvia, cobre cerca de 90% do hemisfério sul de Vesta. Próximo ao Pólo Sul, onde ocorreu o impacto, um pico com mais de 22 km de altura foi formado pelo efeito “rebote” do impacto. Uma série de depressões concêntricas a Rheasilvia podem ser encontradas perto do equador do asteróide e até mesmo uma deformação na crosta no lado oposto da cratera pode ter sido gerada pela violência do impacto.
Vesta Asteroid and Rheasilvia Cratera – Credits: NASA/JPL
No espaço, o material ejetado desse impacto gerou a Família Vesta de asteróides, que orbitam o Sol dentro do cinturão principal. Esses asteróides são responsáveis por cerca de 6% dos meteoritos que caem em nosso planeta e, entre eles, está aquele que atingiu a Terra na madrugada de 8 de maio de 2020, gerando um lindo meteoro que assustou vários moradores de algumas cidades do Triângulo Mineiro e foi gravado por oito câmeras Clima ao Vivo em Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
O METEORO
A noite de 7 de maio de 2020 começou bastante nebulosa na região de Patos de Minas em Minas Gerais. Chegando em casa à tarde, após um longo dia de trabalho, Ivan Soares decidiu partir para no dia seguinte terminar de instalar e configurar seu sistema de câmeras de monitoramento de meteoros. Ivan é membro da BRAMON, Rede Brasileira de Observação de Meteoros e, após uma manutenção do sistema, o cansaço e o mau tempo o levaram a deixar o processo para terminar no dia seguinte. Desligadas naquela noite, suas câmeras não conseguiram registrar um dos meteoros mais impressionantes dos últimos anos naquela região. Isso obviamente o frustrou, mas ao mesmo tempo o motivou a investigar o caso a fundo até ter em suas mãos o meteorito que caiu naquela noite.
Às 03h25 da madrugada do dia 8 de maio, após um bilhão de anos vagando pelo espaço interplanetário, o pequeno fragmento de rocha proveniente da crosta de Vesta atingiu a atmosfera terrestre sobre o Estado de Minas Gerais. O bólido foi visto em várias cidades de Minas Gerais e São Paulo e residentes em pelo menos 18 cidades do Triângulo Mineiro relatam ter ouvido um forte ruído de explosão. A bola de fogo foi gravada por oito câmeras do Clima ao Vivo de sete cidades de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Também foi filmado pela câmera allsky do Observatório Sonsky, uma câmera de vigilância da NTV e outra em uma fazenda em Patos de Minas. Do espaço, o satélite geoestacionário GOES-16 detectou o flash gerado pelo meteoro em seu instrumento GLM, um dispositivo usado para mapear raios.
TRAJETÓRIA E CAMPO ESPALHADO
A partir da análise dos vídeos, BRAMON calculou a trajetória do meteoro na atmosfera. O meteoróide atingiu a atmosfera com baixíssima inclinação, aproximadamente 15,8 ° em relação ao solo e percorreu um total de 180,1 quilômetros em aproximadamente 9,76 segundos, surgindo entre Uberaba e Araxá e sendo extinto a uma altitude de 29,7 quilômetros, a oeste de o Município de Tiros. A luminosidade do bólido indica uma massa inicial do meteoróide entre 180 e 300 kg, sendo aproximadamente 95% dessa massa vaporizada pelo calor gerado na passagem atmosférica.
A partir dessa trajetória, o engenheiro americano Jim Goodall, calculou um campo de dispersão de meteoritos cobrindo uma vasta área com cerca de 7 quilômetros de largura e 84 quilômetros de extensão, entre os municípios de Tiros e Morada Nova de Minas.
Trajetória e campo espalhado – Créditos: BRAMON
Apesar da possibilidade de haver meteoritos no solo, a massa resultante não era muito elevada, e a área de dispersão era imensa, cobrindo uma região montanhosa e com grande cobertura vegetal. As chances de encontrar algo no campo eram muito pequenas. Somando-se a isso o fato de o Brasil estar enfrentando uma pandemia, preferiu-se não divulgar a área de dispersão para evitar uma eventual caça aos meteoritos, que poderiam ajudar na disseminação do vírus.
Desde então, os esforços têm se concentrado em encontrar vídeos, coletar testemunhos e refinar a trajetória. Boa parte desse trabalho foi realizada por Ivan Soares, que passou a fazer buscas de campo em maio, mas sem sucesso.
O PRIMEIRO ENCONTRADO
Encontrar um meteorito em uma área tão vasta não seria fácil. Mas nem todas as estatísticas são capazes de prever o acaso. E foi por acaso que um fragmento daquele meteorito com cerca de 400g caiu bem na beira de uma trilha, numa fazenda da Zona Rural de Tiros. E na tarde do dia 18 de setembro, o aspecto inusitado daquela rocha chamou a atenção do Sr. Titota, fazendeiro que cavalgava na trilha. Aquela pedra escura com brilho vítreo certamente agradaria sua esposa, que gostava de colecionar minerais. Em seguida, o fazendeiro marcou o local e voltou a pé no final da tarde para pegar a pedra. Mas quando ele pegou a pedra no chão e olhou de perto, ele logo percebeu que não era uma pedra comum. Era uma rocha extraterrestre, o meteorito de Tiros.
A Titota fez um vídeo da pedra e enviou ao Padre José Luís. Ao mesmo tempo, o pai se lembrou do bólido de 4 meses atrás e acreditou que era o meteorito resultante. Ele enviou o vídeo ao jornalista Sandro Barcelos que publicou um pequeno vídeo da pedra encontrado no site do Portal Tirense Notícias. A história se espalhou rapidamente e, ao ver o vídeo, Teresinha Souza, do Grupo Mulheres de Estrelas, rapidamente associou o meteorito ao bólido de maio, já que a rocha havia sido encontrada bem próxima ao final da trajetória calculada pelo BRAMON. Três dias depois, no dia 21 de setembro, Elizabeth Zucolotto, curadora de meteoritos do Museu Nacional, chegou a Tiros para analisar o meteorito junto com Diana Andrade (UFRJ), Teresinha Souza (Mulheres de Estrelas) e Ivan Soares (BRAMON). Naquele dia, Ivan segurou, pela primeira vez, o meteorito que ele tanto trabalhou para encontrar.
O METEORITO
Pelas análises já realizadas na UFRJ, o Meteorito Tiros é um acondrito eucrítico. Os eucritos são meteoritos rochosos de regiões profundas da crosta do Asteróide Vesta. Acredita-se que grande parte dos eucritos tenha sido lançada ao espaço por um impacto gigantesco no pólo sul de Vesta, também responsável pela criação da cratera Rheasilvia, proporcionalmente uma das maiores do Sistema Solar. A eucrita é o tipo mais comum de acondritos, ou seja, rochas que passaram por processo de fusão e recristalização e não possuem mais côndrulos. São muito semelhantes aos basaltos e às lavas terrestres, mas, enquanto as terrestres são escuras, as eucritas são muito mais claras, pois são ricas em cálcio. Outra característica dos eucritos é o brilho vítreo da crosta em fusão, algo muito marcante no Meteorito de Tiros.
Tiros Meteorite – Credits: Tirense Notícias
Por enquanto, só existe um pedaço desde o meteorito, o fragmento com cerca de 400g encontrado pelo Sr. Titota. A classificação e registo oficial do Meteorito de Tiros ainda dependem de um depósito de pelo menos 20g numa instituição como o Museu Nacional, o que já foi acordado com o proprietário do meteorito.
PESQUISAS DE CAMPO
Desde que foram divulgadas as primeiras imagens do meteorito encontrado em Tiros, a cidade tem recebido interessados em procurar meteoritos. Pesquisadores, caçadores de meteoritos e astrônomos amadores estiveram lá, mas até agora não encontraram nada. Normalmente, já é difícil encontrar um meteorito, mas no caso de Tiros é muito mais complicado. Principalmente por ser uma massa não muito grande, espalhada por uma área gigantesca com relevo acidentado e muita cobertura vegetal. E para piorar, como um meteorito, o meteorito não contém metais em sua composição, ou seja, os caçadores não poderão contar com ímãs e detectores de metais para auxiliar na busca. A única maneira é olhar visualmente, de preferência do lado oposto do sol, o que pode realçar o brilho da sua crosta.
Buscas em Tiros, MG – Créditos: Elizabeth Zucolotto
Search Team in Tiros, MG – Creditos: Elizabeth Zucolotto
Não parece que será fácil encontrar outros fragmentos do Meteorito de Tiros, mas a busca continua. Além disso, já sabemos que o acaso não pode ser esquecido. Assim, nada impede que outro meteorito como este fique na berma de uma estrada ou trilha, esperando que alguém com olhos atentos o encontre. Meteoritos como o de Tiros carregam material de um asteróide a centenas de milhões de quilômetros da Terra. Eles são como peças de um quebra-cabeça que nos ajudam a entender não apenas o Asteróide Vesta, mas todo o Sistema Solar e o universo ao nosso redor. Eles merecem ser encontrados, estudados e merecem contribuir para a ciência brasileira.
A história do Meteorito Tiros mostra a importância das instituições que trabalham juntas para a ciência. Com mais de 170 câmeras espalhadas por todo o Brasil, a Clima ao Vivo, uma empresa privada, disponibilizou gratuitamente imagens do bólido, que foram usadas para calcular a trajetória pela BRAMON, uma rede colaborativa de ciência cidadã. Os vídeos daquele meteoro foram amplamente divulgados e alcançaram um grande número de pessoas na região. Assim, quando a rocha estranha foi encontrada, foi rapidamente associada ao bólido. A origem do meteorito foi confirmada pela análise de Elizabeth Zucolotto, do Museu Nacional e da UFRJ. Esperamos agora que, com a divulgação dessa história, novos fragmentos sejam encontrados, que tornem o município ainda mais conhecido e contribuam para o desenvolvimento da Ciência no Brasil e no mundo.